A ‘cidade marroquina’

As cidades marroquinas são naturalmente diversificadas.

Algumas são cidades portuárias, algumas cidades fortificadas. Há cidades bastante antigas, com mais de mil anos (caso de Fèz, p.ex.), outras são mais recentes, com história de menos de duzentos anos (Rabat)...

No entanto, a grande maioria das cidades de Marrocos têm muita coisa em comum, principalmente devido à sua história. Conhecendo um pouco da história da região, entende-se melhor a malha urbana das cidades marroquinas.


Já na época romana, há dois mil anos, o Noroeste de África era habitado por povos de etnia bérbere. O seu idioma foi recentemente reconhecido oficialmente: é 'língua oficial' de Marrocos, é ensinada nas escolas e incentivada na cultura Marroquina. Os bérberes são os portadores da cultura originária da região, mais do que qualquer outra que tenha chegado posteriormente.

Os romanos colonizaram o Norte de África, em duas províncias, a oriente a Numídia, e a ocidente a Mauretania, e os seus habitantes eram designados por Mauri. Os romanos tinham relações comerciais com os povos locais e terão comprado produtos das rotas de caravanas vindas do Sul. 

Ainda são visíveis, em vários locais, ruínas da época romana.

Com a expansão dos Califados muçulmanos no Séc. VII, a região bérbere ficou novamente sob a influência cultural externa. Ocorreu a islamização da sociedade e o recrutamento de população para as guerras (por exemplo da Conquista da Península Ibérica, iniciada em 711). Outra consequência da islamização foi a construção de centros de ensino e de culto - fundaram-se Universidades (algumas das mais antigas do Mundo) e mesquitas e, de um modo geral, as cidades. Foram fundadas possivelmente em locais já urbanizados, junto a áreas mais férteis dos rios, colinas estratégicas, portos de mar, e com a expansão social da época, as localidades rapidamente aglutinaram quantidades mais significativas de população.

Durante a idade média a região que é hoje Marrocos, esteve várias vezes sob o poder do Califado de Córdoba, outra vezes esteve fora do seu domínio político directo, mas a influência da cultura árabe nunca deixou a região.


As cidades desenvolveram-se como núcleos muito compactos de edifícios verticais, ruas sinuosas, estreitas e de traçado espontâneo, de modo que as vias não eram definidas por autoridade ou entidade supervisora, como era o caso nas cidades romanas, de ruas amplas e ortogonais, mas surgiam como o espaço estritamente necessário para a passagem das pessoas entre os edificados.

Muitas vezes os núcleos urbanos eram construídos à volta de um edifício fortificado (no idioma árabe chama-se 'Kasbah') de onde se exercia o poder autoritário sobre o núcleo urbano circundante. No caso das cidades, as funções administrativas e autoritárias exigiam uma dimensão maior para o núcleo defensivo central, o que levava à edificação de estruturas defensivas mais complexas, o 'Ksar', que tinha um espaço urbano à sua volta, circunscrito por uma muralha.

As muralhas tinham portas. Ainda que as muralhas, ou parte delas, tenham sido absorvidas na malha urbana recente, as portas normalmente ainda se identificam, na forma de largos, pracetas ou praças.

No espaço imediatamente adjacente a uma ou várias das portas principais da muralha, guardava-se uma área aberta, livre de construções, por vezes de tamanho considerável. Era usado como mercado/feira, para assegurar o comércio, principalmente de agricultores e artesãos. 

A este mercado, e também ao que é feito de forma diária pelas ruas e ruelas chama-se 'soukh'. Corresponde à praça que em muitas cidades e vilas portuguesas é conhecida como o 'rossio', também uma área aberta utilizada para feira e comércio.


Ao longo da sua história as cidades de Marrocos expandiram-se em várias fases, de acordo com o avanço relativo da sua região no jogo da estratégia militar ou política nacional; ou em fases de expansão nacional generalizada. O núcleo mais antigo é quase sempre identificável pela sua malha viária mais estreita e posição sobranceira junto da fortificação central.

As expansões urbanas têm uma relação inversa entre a regularidade da sua malha viária e a sua idade: com o aumento da disponibilidade económica social e do aumento do poder financeiro do Estado, aumenta também a sua capacidade interventiva na construção das infraestruturas viárias. No entanto, é só com a colonização francesa e a chegada dos urbanistas, geógrafos e arquitectos franceses do séc. XX que as cidades árabes em geral, e as marroquinas em particular, ganham um traçado viário mais amplo.

As cidades que já tinham uma expansão significativa antes da ocupação francesa em 1912 (caso de Fèz, Meknès e Marraquexe) têm, ainda hoje, núcleos densos de tamanho significativo, onde a penetração do transporte automóvel é difícil e pouco significativa. Nas cidades de expansão mais recente, caso de Casablanca, Rabat e Tânger, há mais ruas rectilíneas, arborizadas.

As urbanizações delineadas durante o período colonial, foram criadas para usufruto dos europeus, principalmente. O aumento de investimento levou a uma desertificação populacional das áreas rurais, mas sem correspondente construção, com qualidade, de habitação para os imigrantes urbanos. Esta segregação levou ao conceito do 'apartheid urbano francês'.

A capacidade interventiva actual do Estado tem mitigado esta realidade e apoiado a relocalização dos habitantes para áreas periféricas das cidades com melhores condições habitacionais. O sobrepovoamento urbano foi intenso e a relocalização é um processo lento e difícil...