Monte Toubkal.

 

O ponto mais alto da Cordilheira do Atlas, a 4167 metros de altitude, é simultâneamente o ponto mais alto num raio de 2080 quilómetros: a montanha mais alta, mais próxima do Monte Toubkal é o Monte Branco, no Alpes. No continente africano, a montanha mais alta, mais próxima é o ‘Ras Dashen’, na Etiópia, a 5124 quilómetros de distância…

Subir ao topo de um cume isolado (conhecido como cume ultraproeminente, ou apenas um ‘ultra’) é um desafio à personalidade de quem se empenha em o escalar. Descobrimos os nossos limites - físicos e não só! A recompensa de atingir os nossos limites, quer se chegue ao topo da montanha ou não, é um exercício de realização e satisfação, e também muito revelador para quem o atinge.

 

Subir ao topo do Monte Toubkal não é, de todo, um desafio insuperável. Cumprindo o PAE (preparação, aclimatização, equipamento) qualquer pessoa de boa saúde e mobilidade consegue chegar ao seu cume.

Preparação prévia.

A preparação do organismo pela via do treino físico é porventura o elemento mais importante de uma boa subida a uma montanha.

Essa preparação demora meses, para ser eficaz. Quem quiser subir o Toubkal deve iniciar a sua preparação com pelo menos 3 a 4 meses de antecedência…

Aclimatização.

A aclimatização é o processo pelo qual um organismo responde a uma alteração rápida do seu meio envolvente.

No caso da altitude, a diminuição da pressão parcial de oxigénio do ar ambiente, pode causar adaptação no organismo a partir de ~1800 m. A falta de oxigénio normalmente só causa problemas a altitudes acima de ~5000 m.

O mais importante é a progressividade na adaptação à altitude, ou seja, aumentar rapidamente até 1800 m e progressivamente mais devagar.

Equipamento.

A subida do Monte Toubkal não é tecnicamente exigente. Será indispensável levar calçado e vestuário adequados ao piso e às condições atmosféricas.

A precipitação à altitude acima do abrigo de montanha (3200 m) ocorre sob a forma de neve. A chuva no Verão é rara.

Sem neve, não há exigência de apetrechos específicos para a subida. No Inverno e Primavera, enquanto a montanha estiver fria e coberta de neve há que usar utensílios próprios para vencer o obstáculo do gelo.

 
 

Os problemas aqui apresentados de forma rudimentar estão explicados de forma mais aprofundada no capítulo seguinte e no ‘Guia da Viagem’ que é entregue em formato papel aos participantes, de modo a terem as informações necessárias para ascender em segurança ao topo do Monte Toubkal.

Durante a visita a Marrocos iremos visitar várias cidades, pelo menos nove das quais com visita de várias horas ou até com pernoitamento, no caso de Marraquexe e Casablanca, dois pernoitamentos e visita de dois dias. Mas são visitas simples de organizar: há alguns locais emblemáticos, de visita ‘obrigatória’, e confirmado um local de pernoitamento que cumpra os requisitos de qualidade e conforto, não é necessário organizar mais nada. Cada participante pode aprofundar a visita conforme as suas capacidades físicas e a sua motivação individual - não há ‘consumo mínimo’ na visita às cidades marroquinas: teoricamente pode-se ficar no alojamento sem qualquer deslocação suplementar, embora, claro, não seja esse o intuito de visitar estas cidades multicentenárias…

O caso da visita ao Monte Toubkal é diferente. Por vários motivos. Haverá uma deslocação pedestre obrigatória (não é possível a aproximação motorizada); essa deslocação ocorre em terreno irregular, parcialmente coberto com neve e com um desnível significativo (o que obriga a utilizar calçado próprio - botas de caminhada); o topo da montanha está a uma altitude superior a 4000 metros o que tem implicações específicas - preparação física prévia, despressurização e outras que vamos ver abaixo, com mais atenção; a própria logística desta parte da viagem é mais complexa do que as outras visitas ou dos outros pernoitamentos durante a viagem a Marrocos.

 

O êxito duma subida depende de três factores - preparação, aclimatação, e equipamento - P·A·E Segundo alguns o ‘quarto factor’, o ‘factor sorte’, também deve ser incluído na equação. Mas este último não depende de quem sobe ou tenta subir uma montanha, embora uma boa previsão dos três primeiros factores possa minimizar grandemente os ‘imprevistos’.

A questão da importância da preparação física prévia é da maior relevância. A literatura técnica sobre montanhismo, os cursos de guias de montanha, os guias publicados na internet sobre montanhismo e sobre a subida ao Monte Toubkal, até alguns dos vídeos sobre esta ascensão, publicados no YouTube, são unânimes: sem uma preparação física prévia consistente a subida ao topo deste cume é difícil ou impossível.

A preparação física deve abranger o sistema cardio-respiratório, com habituação dos músculos cardíacos ao esforço e bem assim, deve também preparar o organismo, principalmente os membros inferiores, para o esforço continuado - o treino de resistência.

A preparação física demora vários meses, para ser completa e eficaz. Uma habituação ao esforço pode ser conseguida, por quem já tenha alguma condição física, em algumas semanas. De uma forma ou outra, deve haver uma habituação prévia ao esforço físico, e esta habituação não pode ser substituída por um equipamento diferente ou melhor, no momento de subir…

 

A altitude do topo do Monte Toubkal, 4167 metros, e a escassez de precipitação na zona de contacto entre a região do deserto e a região mediterrânica, confere à cordilheira das Montanhas do Atlas uma situação favorável à sua subida. Os Verões são quentes e secos, de modo que a precipitação se concentra numa só época do ano, entre os meses de Novembro e Março. Esta época do ano coincide com o Inverno astronómico, de modo que a precipitação, ainda que escassa, acima dos 3000 metros de altitude seja sempre sobre a forma sólida, ou seja neve. No entanto nem a altitude, nem a precipitação são suficientes para que se formem glaciares no maciço do Toubkal, o que é bom, por desobrigar a uma série de procedimentos técnicos na subida ao topo (uso de cordas, arnês, técnica de nós e ancoragem, etc.).

A nossa visita será em Abril, antes que o calor do Verão derreta ou evapore a neve. A superfície mais lisa e homogénea da neve favorece a subida e minoriza o esforço por comparação com a subida sobre rocha, seja consolidada, seja rocha solta.

A caminhada sobre neve ou gelo obriga à utilização de dois utensílios próprios, o machado de neve, ou piolet, e o crampon. Por não haver neve, nem gelo, em Portugal, não há tradução para este último. É um utensílio com espigões, ou picos no seu inferior que se fixam com argolas metálicas e nastros às botas de montanha e que permitem caminhar sobre superfícies geladas. Tanto o crampon como o machado de neve foram muito aperfeiçoados nas últimas décadas, com o desenvolvimento das tecnologias de materiais.

O uso correcto destes dois utensílios é da maior relevância para se conseguir subir uma montanha com neve; tanto pela redução do esforço como pelo aumento da segurança. A quem integrar a subida ao topo, será dada uma instrução mínima em técnicas de segurança na neve e no gelo.

Outro assunto que também deverá ser mencionado no ítem ‘equipamento’ é o vestuário e o calçado.

Relativamente ao calçado, recomenda-se o uso de botas de montanhismo, correspondentes à classificação ‘B2’. Como os participantes nesta viagem não terão, em princípio, hábitos de montanhismo, esse tipo de botas são próprias para usar crampons, rígidas longitudinalmente e quentes. Apenas quem se dedique ao montanhismo é que terá botas específicas. Quem quiser participar em aventuras futuras (Toubkal, Pirenéus, Alpes, Noruega, p.ex.), recomendo investir em botas de montanhismo, mas isso ficará para uma próxima oportunidade - quem porventura já tenha botas rígidas, será de as levar agora para a subida ao Monte Toubkal!

O uso de botas ditas ‘de caminhada’ será a alternativa indispensável. Sapatos ou sapatilhas de treino ou corrida, (vulgo ‘ténis’) não são adequados!! Encorajo quem não tenha botas de caminhada a investir na compra de umas, agora, de modo a tê-las moldadas aos pés aquando da visita ao Monte Toubkal - não estrear calçado numa caminhada exigente e com mais de 15 quilómetros!!

Características a ter em atenção na escolha de calçado:

●        Ter cano médio, logo protecção para os tornozelos contra entorses. Previne entrada de neve para o interior, mantendo os pés quentes e secos,

●        Ser resistentes à água e de preferência transpiráveis

●        Ser confortáveis em caminhadas prolongadas.

 

No que respeita ao vestuário, sobressaem três recomendações: 1ª evitar o algodão, 2ª usar o sistema de camadas, 3ª não usar roupa em excesso.

O algodão é confortável, mas desadequado para actividades intensas. Ao absorver a transpiração do corpo perde as propriedades isoladoras - deixa de aquecer. Como a caminhada, e especificamente a subida a um cume, obriga a um esforço significativo, o uso de roupa de algodão é desaconselhada.

O uso de várias camadas de roupa, de materiais e com funções diferentes (p.ex. transporte de transpiração, isolamento do calor, protecção contra vento ou chuva) permite uma maior adaptabilidade ao ambiente. No caso da subida ao Toubkal, uma camada interior, duas intermédias e um corta-vento será adequado. Não esquecer luvas e (mais para os homens, que têm cabelo mais curto) um gorro ou chapéu; é importante evitar as perdas de calor pelas extremidades.

‘Não usar roupa em excesso’ vem no seguimento do ítem anterior, o uso de camadas. Há uma expressão entre montanhistas ‘Be bold, start cold’ (Sê ousado, começa com frio); a subida de uma montanha com vários quilómetros de altitude e num percurso prolongado, deve ser feita de modo a evitar a transpiração excessiva - deixa inevitavelmente a roupa transpirada e obriga à ingestão de mais água (e no topo do Toubkal não torneiras, nem bares…). A ingestão de água em quantidades suficientes é difícil na montanha e o excesso de transpiração deve ser evitado. Logo no início da caminhada deve-se ter uma ligeira sensação de frio; muito rapidamente o esforço irá equilibrar o metabolismo e a sensação de frio desaparece - essencial é evitar as perdas de calor pelas mãos e cabeça e usar um corta-vento, se necessário.

Num documento técnico de montanhismo pode-se ler:

“Even the best clothing cannot guarantee you getting to the summit, but poor equipment will prevent even the best climber from reaching their goal.”

Em português:

Mesmo a melhor roupa não consegue garantir chegar ao topo, mas falta de equipamento impede até o melhor montanhista de atingir o seu objectivo.

 

 

A aclimatação é a adaptação fisiológica de um organismo a uma alteração das condições do seu meio. No caso da altitude, a aclimatação a curto prazo passa por uma série de alterações no funcionamento do organismo de modo a fazer face à diminuição da pressão atmosférica. No corpo humano o baço produz mais glóbulos vermelhos para aumentar a capacidade de transportar oxigénio. O ritmo cardíaco de repouso aumenta, tal como o ritmo respiratório. Este aumento provoca uma diminuição da concentração de CO2 no sangue, que por sua vez altera a sua acidez, que vai alterar o funcionamento de certas reacções químicas e algumas enzimas. Enfim… é uma catadupa de consequências.

As primeiras reacções do corpo humano à altitude acontecem a partir de ca. 1800 metros de altitude. O nosso organismo consegue-se adaptar de forma gradual a altitudes até ca. 5500 metros. Acima dessa altitude o corpo humano não consegue sobreviver de forma permanente, sendo forçado a regressar a essa altitude para recuperar.

O ar em altitude é normalmente sempre seco (ou seja contém pouco vapor de água dissolvido) tanto devido a causas climatológicas, como a redução térmica com a altitude obriga a uma redução da humidade. O aumento do ritmo respiratório aliado ao facto de o ar ser seco faz aumentar muito a perda de líquido pela respiração. Em circunstâncias de esforço físico elevado pela subida da montanha, essa perda de água é significativa e antes deste conhecimento, era uma das principais causas de desestabilização do organismo humano em altitude. A ingestão de água em abundância é uma das formas mais fáceis de mitigar os problemas da altitude e de minimizar os seus sintomas.

 

A nossa aclimatação será feita com a passagem do roteiro pelo planalto do interior de Marrocos nos quatro dias anteriores à subida ao topo do Monte Toubkal, com pernoitamentos a altitudes sempre superiores a 1800 metros. Será também fornecida água abundante a todos.

 

Há a tradição de usar burros ou mulas para carregar fardos ou bagagens. Nas aldeias próximas do Monte Toubkal há muita oferta de carregadores de mulas, tal como também há lojas especializadas em aluguer de material de montanhismo. Esta região, antes da exploração turística, vivia da pastorícia, da agricultura de subsistência e exportava nozes e avelãs. Se queremos fazer ver à população local que o turismo pode ser uma fonte de rendimento importante a atitude do turismo não-participativo e estanque deve ser evitada. Deste modo vamos utilizar os serviços dos carregadores de mulas e o aluguer de material de montanhismo. O uso de guias é obrigatório, felizmente.