Água ou Gelo

eis a questão

Quando as temperaturas passam abaixo de 0° (zero graus), as regras da natureza mudam.

A primeira diferença é que a água passa do estado líquido para o estado sólido e essa mudança de estado tem uma série de consequências.

Esta página vai aprofundar um pouco a passagem da água para ‘o estado sólido’ e algumas consequências dessa passagem na Natureza.

A água, enquanto substância química - H²O - tem uma série de propriedades inesperadas. Estamos perfeitamente habituados a elas, mas do ponto de vista físico e químico a água não se comporta como seria de esperar, considerando a ligação entre dois átomos de hidrogénio e um de oxigénio.

Ora, vejamos:

Considerando a sua posição na tabela periódica, e por comparação com as substâncias mais semelhantes quando se ligam a dois átomos de hidrogénio, a água ‘devia’ congelar a -100°C e ferver a -75°C. Seria expectável um intervalo térmico do estado líquido muito mais pequeno (~25° e não 100° como acontece na realidade) e as mudanças de estado sólido para líquido e de líquido para gasoso (vapor de água) deveriam acontecer a temperaturas muito inferiores.

A tensão superficial da água é a mais elevada de todos os líquidos - muitos animais vivem em cima da superfície da água explorando esta realidade. A coesão da água também é ‘grande demais’ (a coesão é a qualidade física que nos permite encher um copo até um pouco acima do cheio, sem trasbordar…)

A ligação entre o átomo de oxigénio e cada um dos dois átomos de hidrogénio é forte, estável e feita a um ângulo de 104,45°. É proximo de 90° devido à repulsão interna dos dois átomos de hidrogénio pelos ‘pontos de ligação’ não-utilizados no oxigénio. Fica assim uma carga positiva do lado onde estão os dois hidrogénios e uma carga negativa do lado oposto. Por isso, a água é uma substância polarizada, por isso, a água é um bom solvente de muitas substâncias sintéticas e naturais (sais e minerais que naturalmente são dissolvidos em água, etanol e cafeína, por exemplo, também são solúveis em água, tal como as vitaminas (excepção para a vitamina A e D). Por isso também, é que os cristais de gelo são hexagonais.

Por último referimos uma particularidade da água, que talvez seja uma das mais importantes para a vida. Novamente ao contrário da maior parte das outras substâncias, a água, ao passar da fase líquida para a fase sólida, as ligações dentro da cada molécula de água e as ligações entre cada molécula e as vizinhas, permitem maior densidade de moléculas na estrutura líquida do que na organização rígida e estruturada do cristal sólido. Por isso a água, ao solidificar, aumenta de volume! Por isso o gelo flutua sobre a água, e por isso o gelo, ao flutuar, isola a água por baixo do gelo do frio que congelou a água inicialmente, evitando assim que todos os meios aquáticos congelem de baixo para cima e acabem todos congelados - assim, lagos, rios e oceanos congelam à superfície, mas mantêm um abiente líquido e propício à sobrevivência da vida no Inverno.

Estabelecidas algumas propriedades da água, vamos ver o que acontece com a passagem da fase líquida para a fase sólida.

Lembem-se: 10% está fora da água…

Imagem: Nesrin Ozdemir, SaatchiArt.

As plantas precisam, de um modo geral, de água (no estado líquido…) para fazer circular os nutrientes dentro dos seus tecidos; quando as temperaturas descem abaixo da temperatura de congelação, as plantas têm de ter maneira de ultrapassar o congelamento dos seus tecidos. Há várias estratégias de sobrevivência nas plantas: largar as folhas e retirar a seiva dos tecidos superficiais ou produzir substâncias que evitem a cristalização dos líquidos com temperaturas abaixo dos 0° são as duas formas mais utilizadas para as plantas resistirem ao frio.

Nas zonas polares há um período no Verão em que o Sol não passa abaixo do horizonte (está 24 horas a iluminar o céu), e, no Inverno, um período em que o Sol não passa acima do horizonte (a noite polar). As adaptações acima referidas são suficientes para resistir ao frio do Inverno e o que limita o crescimento e a existência de plantas e eventualmente, árvores, é a duração do período do Verão em que as temperaturas são elevadas o suficiente para as plantas poderem aproveitar as 24 horas de luz.

O ritmo térmico ao longo do ano, e sobretudo a duração do período no Verão, em que as temperaturas no solo passam acima de 0°, é significativo para a sobrevivência das plantas.

As zonas polares têm outra particularidade:

A sua posição no globo terrestre faz que os raios solares (apesar de terem dias muito compridos, no Verão) incidam sempre de uma inclinação baixa; a radiação solar recebida à superfície é por isso muito mais reduzida nas regiões polares.

A radiação solar recebida no topo da atmosfera é de 1361 W/m²; à superfície, junto ao equador, chega aos 280 W/m² e nas regiões polares chega a 100 W/m².

É por isso normal que as temperaturas sejam mais baixas, nas zonas de latitudes mais elevadas.

O que aquece a baixa atmosfera, onde a vida se desenvolve, é principalmente a energia solar reflectida da superfície terrestre e ‘aprisionada’ por alguns gases com efeito de estufa - sem esses gases, e sem a atmosfera em geral, toda a radiação que receberíamos do Sol (os referidos 1361 Watts por m²) se perderiam de imediato para o espaço. A radiação solar é recebida à superfície e redistribuida pelo planeta pelas correntes marítimas e, em muito menor grau, pela circulação atmosférica. Nessa mesma ‘baixa atmosfera’ a tendência é, por essa razão, sempre para a temperatura descer com a altitude - com o afastamento da fonte de calor, se quisermos…

Em termos muito simplificados, são estas as razões por que as regiões polares e as altas montanhas são mais frias.

Nas montanhas, para além do frio, há ainda a considerar a pressão atmosférica, que diminui com a altitude. A diminuição é gradual e constante e apenas se torna significativa a altitudes superiores a 4000 metros. O efeito da diminuição da temperatura é muito mais notório e significativo para o desenvolvimento da vida e dos ecossistemas do que a despressurização e falta de oxigénio em altitude..