“Antigamente…”
A nossa percepção da alteração do nosso ambiente é um processo gradual e lento.
Quando avaliamos as alterações ou impactos negativos sobre o ambiente, baseamo-nos normalmente na recordação individual ou social do estado inicial ou ‘antigo’ do ambiente. Deste modo fica excluído da mossa percepção a degradação ambiental ocorrida antes da observação nossa e de quem connosco estuda ou vive. No estudo de impactos ambientais acabamos normalmente por estudar a alteração observada, relativamente ‘à situação inicial’.
A questão que se impõe, aqui, é de avaliar qual é essa ‘situação inicial’
é a situação presente, antes de uma intervenção futura?
é a situação imediatamente anterior a uma alteração já acontecida?
Estamos implicitamente a aceitar todas as alterações anteriores como ‘não sendo alterações’, mas a situação ‘anterior à alteração’ - quando sabemos perfeitamente que houve alterações anteriores, quase sempre negativas, e muitas vezes até facilmente documentáveis…
Se a esperança de vida média, em vez de 80 anos, fosse 800 anos, as recordações das alterações de cada pessoa alcançava um período muito mais amplo, a reposição de uma situação anterior teria um valor diferente. Possivelmente cuidaríamos mais do Mundo, mas esse raciocínio é demasiado especulativo para o presente contexto.
A síndrome da mudança de condição inicial alerta para haver alterações anteriores, não observadas e que por essa falta de observação, apenas o seu registo comprovável nos leva a considerar, no nosso estudo de alteração do ambiente.
O que está aqui em causa não é a alteração das condições ambientais, mas sim, a nossa percepção individual e colectiva/social da situação ‘antiga’, ou seja a referência da condição inicial ou condição-base sobre a qual aferimos a alteração.
SHIFTING (= em mudança)
o facto de se reconhecer uma alteração progressiva e tendencial na percepção da mudança.
BASELINE (= condição inicial)
o facto de se alterar o estado de referência, o ‘estado-zero’, a condição inicial. Isto afecta a avaliação das alterações.
SYNDROME (= síndrome)
a realização da necessidade de reformular estudos, de forma generalizada.
O ‘Shifting Baseline Syndrome’ é portanto a sistematização científica da nossa tendência para aceitarmos as alterações ambientais progessivamente como se não fossem alterações, mas sim, o ‘estado inicial’ ou ‘estado de referência’ de um estudo ou de uma avaliação do nosso meio.
O conceito foi desenvolvido durante a última década do século passado, como resultado de estudos sobre a pesca e a forma como se alterava a percepção sobre a abundância de peixe em diversos mares. Pela consulta a documentação fotográfica antiga foi possível comprovar que o tamanho (e a abundância, também) dos peixes realmente era maior ‘antigamente’ que em pescas mais recentes. Concluiu-se assim que há uma mudança na percepção da realidade entre gerações e que essa alteração se repercute na necessidade de intervir na preservação do ambiente.
A preservação da Natureza e muitas questões ambientais assentam no pressuposto da percepção da alteração e de efeitos negativos de acções humanas. O simples facto de se admitir uma mudança do ‘estado zero’ na nossa percepção das alterações ambientais, implica uma necessidade muito maior de agir sobre a preservação, protecção e restauração da Natureza.
Shifting Baseline Syndrome
retirado da página
https://globalheart.nl/duurzaam/lijd-jij-aan-het-shifting-baseline-syndrome/ (“Sofremos de Shifting Baseline Syndrome? Provavelmente!”)
Para se conseguir uma noção real das alterações ambientais torna-se indispensável basear um estudo em fontes alternativas às descrições e memórias das pessoas, aos acontecimentos e aos testemunhos. É necessário utilizar dados que não alteram o seu rigor ao longo do tempo, que sejam mensuráveis e que obedeçam a parâmetros quantificáveis.
É o que se conseguiu na Serra da Estrela através da análise do pólen dos lagos e das turfeiras em 4 locais da Serra. O ambiente anaeróbico (ou ‘anóxico’, sem oxigénio) permite a conservação quase indefinida dos pólens. Após caírem sobre a superfície dos lagos, juntamente com os restantes sedimentos na água, vão-se depositar no fundo e a sua perfuração, extracção e análise permite a reconstrução da comunidade vegetal em vários graus de afastamento da superfície da água. É um registo verdadeiro e ininterrupto da vida vegetal ao longo do tempo, desde que o lago se formou até a actualidade.