o Projecto Candeeira Verde

o Nascimento do projecto

Na apresentação de um projecto tão ambicioso como o ‘Projecto Candeeira Verde’, será conveniente deixar umas palavras sobre como surgiu a ideia.

As motivações individuais e sociais que movem as pessoas influenciam sempre as suas decisões.

Este projecto é um percurso de vida.

É o resultado do cruzamento do passado interessado, à distância, com um presente atribulado pela mudança repentina e desmotivada e um futuro esperançado na mudança positiva num Mundo polarizado, sujo e mal preparado para as mudanças inevitáveis.

Na minha infância vim de férias para Portugal e passei várias vezes pela Serra da Estrela. Foi sempre com saudade que me ia embora.

Vim para Portugal encetar a carreira académica e a mesma Serra da Estrela tornou-se naturalmente um objectivo.

Com a possibilidade de intervir de forma directa, dedico agora o meu tempo ‘livre’ a este projecto a partir do coração da Serra.

Após vários incêndios terem varrido a Serra, o último a menos de dois quilómetros de casa, vejo a natureza indefesa, maltratada e mal gerida. As populações locais não dão o valor merecido ao Tesouro que têm à porta, talvez por estar demasiado próxima e por lhes trazer mais incómodo que rendimento. As pessoas com conhecimento e vontade de ajudar, estão longe e sem capacidade de mudar o rumo do desenvolvimento. As pessoas que têm essa capacidade, de mudar o destino das montanhas, são governantes ou administradores de fortunas; como as regiões montanhosas têm poucos habitantes (felizmente…) dão poucos votos e pouco rendimento - nem os governantes nem as empresas se interessam pelas montanhas.

Noutros países já se começa a fazer tombar a balança a favor do desenvolvimento das regiões montanhosas: reconhece-se a sua capacidade de gerar rendimento das actividades agrícolas, de tecnologias de ponta, do turismo…

Nas primeiras campanhas de plantação em que participei, após o incêndio de 2006, e na actividade do NeveEstrela de 2007 quando se construiu a ponte sobre o Ribeiro da Candeeira, o caminho fez-se pela portela das Candeeirinhas, entrando no Vale da Candeeira pelo meio da encosta Sul. Era o caminho ‘normal’ de acesso, juntamente com o caminho que subia a encosta do Vale do Rio Zêzere, pelo Covão das Canelas e passando pelo ‘Altar’ junto da cascata da ‘boca da Candeeira’. Eram os caminhos que as pessoas desde sempre usavam, quando lá passávam temporadas a cultivar o centeio e a manter os rebanhos de gado nas encostas fora dos campos de cereais. Havia lá uma comunidade significativa e os caminhos eram muito usados diariamente por pessoas, gado e animais de tracção.

Fui com uns amigos até à Candeeira, no Verão de 2021. Tentei fazer o mesmo percurso e tivémos que desistir, na portela: não encontrámos o caminho e nem havia sítio que permitisse passagem por entre o matagal de giestas, urzes e pedras. O caminho tinha desaparecido…

Passadas semanas regressei sozinho, com o intuito de ‘desvendar o mistério’ do caminho desaparecido. A custo consegui descobrir alguns troços que pareciam um caminho até a portela. Após algum tempo a abrir passagem entre arbustos e a trepar as pedras maiores para ter vista e perspectiva de um lado e outro da portela, finalmente avistei duas ou três mariolas, pequenos amontoados de duas ou três pedras colocadas sobre pedregulhos, a marcar o percurso dos caminhos.

Fui para junto da pedra com uma mariola; na direcção da mariola seguinte… não havia vislumbre de caminho. Apenas espreitando por baixo dos arbustos vi uma extensão de superfície lisa, sem pedras e sem arbustos… Sem arbustos, no chão, que por cima desse ‘caminho’ o emaranhado de urzes fechava completamente a passagem. Pisei uns ramos, parti outros e por baixo aparecia um caminho por uns metros. Depois desaparecia entre pedras e arbustos que já tinham invadido o caminho.

Seguia do outro lado ou será que tinha ‘perdido’ uma curva? Umas vezes o caminho antigo serpenteava por entre as pedras e os arbustos, outras vezes teria seguido em frente por onde, entretanto arbustos quase da minha altura, tinham invadido o caminho.

Fui para a Candeeira pelo novo caminho indicado na rede de percursos pedestres (o ‘PR5 - Rota do Maciço Central’). Tinha algumas marcações, os habituais traços amarelos e encarnados, ocasionalmente pintados nas rochas. O caminho é irregular e tem uma passagem sobre a face da rocha desprotegida, em caso de gelo ou algas na pedra uma escorregadela pode ser perigosa. Mas fui.

Cheguei à Candeeira pelo Vale Mourisco e voltei a apreciar as vistas antigas. Passei o riacho e fui até a Ponte que ajudara a construír há 15 anos. Os participantes tinham levado a ponte em peças de ferro soltas até lá, e as pessoas com tanta vontade de fazer e ajudar, que todos queriam apertar um parafuso. Havia mais pessoas que peças. E mais vontade que pessoas… Lá estava ainda, a Ponte da Bolota…

Imagens do baú, da construção da ponte, 18/Fev-2007

Tentei aumentar a cadência das visitas ao caminho, comprei um corta-galhos, depois umas luvas acolchoadas, depois uma tesoura-de-podar…

Mas os dias começavam a ficar cada vez mais curtos, o caminho era perigoso com gelo, e demorava duas horas em cada sentido, mais a viagem de carro para o Covão de Ametade…

Comecei a tentar abrir o caminho a partir da portela. E assim fui progredindo.

Com o avançar do caminho começou a ganhar forma a ideia de lhe dar uma utilidade. Depois do incêndio de Agosto/22, a reflorestação mais presente outra vez, ficou como o objectivo mais nobre e completo do caminho. Para este não ser o objectivo em si, mas para o caminho levar de um início para um fim.

Sei quais são as árvores que deveriam existir aqui, os pólens antigos contam a verdade do passado. As plantas estão cá, solitárias, espalhadas pela Serra. Só teria que as propagar e fazê-las crescer, juntas.

Para tornar a Serra da Estrela mais verde. Mas um verde que perdure.

Para fazer deste magnífico vale um ponto de partida para uma biodiversidade equilibrada e completa.

Uma floresta como já cá houve; há tanto tempo, que só as rochas se lembram.

Para voltar a ouvir os pássaros cantar de entre as folhas das árvoras que se reflectem nas águas calmas do lago.

A minha contribuição para reduzir as alterações climáticas.

Para a Serra da Estrela ter ‘um futuro melhor’.

Para todos termos um futuro melhor.