A indiferença e a inacção não podem ser uma hipótese, quando existe a possibilidade de remediar o que está estragado.

A Serra da Estrela tem uma altitude que a separa da paisagem circundante.

O seu topo é uma superfície relativamente plana, deserta e (infelizmente) de fácil acesso, por estrada. O topo plano é retalhado por vales profundos, esculpidos por línguas de gelo que os preencheram até há ca. 20.000 anos.

O gelo eventualmente derreteu e deu lugar a luxuriantes florestas que cobriram todos os vales da Serra, e a maior parte dos planaltos.

Depois chegou o Homem, e alterou tudo. Cortou e queimou as florestas, até que nenhuma árvore ficou em muitos dos vales.

Quase todos os vales à volta do Planalto Central da Serra estão atravessados por estradas e caminhos, têm casas frequentemente com lojas e comércio; são vales longos, com mais de 5 km, cujo perfil longitudinal começa no Planalto Central e desce com os ‘sobressaltos’ glaciários até as localidades periféricas (Sabugueiro, Loriga, Alvoco, Unhais, Verdelhos e Manteigas).

A excepção é o Vale da Candeeira.

Como os outros, também começa no Planalto Central; mas não desce até as altitudes mais baixas das terras periféricas - é um ‘Vale Suspenso’ o que significa que o vale está ‘cortado ao meio’ (é um afluente do Vale do Rio Zêzere, mas o seu fundo está 300 metros acima do fundo do leito para o qual conflui) e abre-se para ‘o vazio’ através de um espectacular ferrolho glaciário.

O ‘vale suspenso’ é uma das formas características do modelado glaciário - dentro do gelo é possível a ligação de correntes de gelo desniveladas. No modelado pela água líquida (o rio) a erosão tenderá sempre a ligar dois rios a um mesmo nível.

A entrada muito escarpada é, também, uma das razões para não haver acesso rodoviário.

Todo o vale está coberto por formas e testemunhos glaciários (“A Candeeira quase ‘cheira’ a gelo” - tal é a intensidade do cunho glaciário deixado na paisagem). Apesar de não ter a monumentalidade do Covão Cimeiro, com a parede rochosa quase vertical, entre ‘os três cântaros’, o Vale da Candeeira tem todas as formas da erosão pelo gelo muito bem esculpidas nas rochas da sua cabeceira - vales irregulares e sobre-escavados (com as características ‘conchas’ cheias de lagos e turfeiras); a partir do meio do vale predominam as formas resultantes do depósito dos materiais arrancados da cabeceira: os materiais levados pela língua de gelo que preencheu por completo este vale e o alargou e aprofundou - materiais levados junto ao fundo do gelo durante o avanço do glaciar, sobrepostos pelos materiais trazidos nas margens do gelo quando a sua frente recuava no final da Idade do Gelo; finalmente as formas resultantes da fusão acelerada em ambiente líquido e torrencial.

Fantástico, para quem gosta!

Sem qualquer acesso rodoviário e sem qualquer casa ou habitação, tem água potável, está ‘a três horas da civilização’ e tem ‘apenas’ quatro quilómetros de comprimento por um de largura.

Estudos científicos dão-nos o conhecimento sobre que vegetação já existiu neste vale e na Serra toda - a vegetação que pode (e deve) existir outra vez.

Mais alguns pormenores sobre o método da análise do pólen aqui.

o Projecto Candeeira Verde.

A regeneração da Natureza não é espontânea, na ausência de semente.

Na Serra da Estrela há algumas bolsas de floresta. Não é floresta originária nem espontânea, e está na proximidade imediata de nucleos urbanos. Não existe um equilíbrio entre as espécies arbóreas e as arbustivas, nem um isolamento que permita o acesso de herbívoros selvagens, importantes para a manutenção do equiíbrio primário florestal.

O Vale da Candeeira tem várias particularidades que o fazem o caso ideal para plantar ‘a semente’ de uma regeneração.

  • Não há acesso rodoviário. Não há estrada nem local que permita o acesso a carros, nem 4x4.

  • O vale foi cultivado com centeio até há cerca de 60 anos, após o que é utilizado esporadicamente para pastorícia. Na prática está abandonado.

  • Existem proprietários legais, alguns já falecidos ou sem qualquer pretensão de usar ou cultivar.

  • Mais de 80% da circunscrição do vale é escarpada, sem possibilidade de acesso, por pessoas ou pelo fogo.

  • Não há floresta no vale, apenas alguns vidoeiros dispersos. O solo está totalmente coberto por mato de giesta ou urze.

  • O fundo do vale é de acentuada planura, possibilitando o alagamento/anastomosado do ribeiro através da instalação de represas de água (conhecido na literatura técnica como ‘BDA’ - Beaver Dam Analogue) para fazer subir o nível freático no fundo do vale e religar a hidrologia subterrânea e superficial, com a recriação de um habitat lacustre (evidenciado pela existência nos espectros polínicos de vegetação lacustre - Salgueiros, nenúfares, p.ex.).

Para uma explicação mais aprofundada de como se faz a ‘análise polínica’ e as informaçãos que se podem extraír dessa análise veja aqui.

Todas as árvores identificadas nos estudos sobre o passado da vegetação na Serra da Estrela, existem ainda na Serra. Propomos ‘apenas’ juntar a mistura certa em um mesmo local…

Evita-se por completo a importação, ou ‘poluição genética’, com plantas de origem externa ou desconhecida.

Temos fé na possibilidade de se iniciar um processo de regeneração sem retorno; que a regeneração que se inicia neste vale possa ser, a partir de aqui, um ponto de início de uma regeneração mais vasta.

Devemos entregar um Mundo melhor aos nossos filhos do que aquele que nos foi entregue pelos nossos pais.

Sozinhos não conseguimos mudar o Mundo, mas podemos melhorar um cantinho.

Podemos e devemos…