As plantas dividem-se de um modo geral em angiospérmicas e gimnospérmicas (que têm as sementes cobertas por um fruto ou que têm as sementes descobertas). Existem apenas ca. de 1000 espécies de gimnospérmicas (que compreendem as coníferas - abetos, cedros, ciprestes, pinheiros, teixos, etc. e a welwitschia e o ginkgo), enquanto as angiospérmicas compreendem a vasta maioria das plantas actuais (com ca. de 300.000 espécies conhecidas) - quase todas as árvores, arbustos, ervas e flores de jardim e da natureza são portanto angiospérmicas.
Ver aqui uma sistematização um pouco mais aprofundada sobre a classificação das plantas.
Importa aqui não esquecer os fetos e os musgos. Reproduzem-se por esporos e não por sementes.
Tal como todas as plantas têm um aspecto que as identifica de maneira única de todas as outras - seja pelo seu tamanho, pela forma das suas folhas ou pela cor das suas flores - assim também o pólen de cada espécie é único. O pólen de cada espécie, quando observado ao microscópio, identifica de forma inequívoca a espécie de onde veio. O mesmo é válido para os esporos dos fetos e dos (alguns) musgos.
O pólen transporta os gâmetas masculinos para o órgão feminino das flores, o pistilo (estigma, estilete e ovário) e como nos animais é responsável pela manutenção da variedade genética da reprodução das plantas.
Pelas suas diferentes propriedades de forma, tamanho e peso, o pólen tem características de dispersão muito variáveis. A maioria dispersa-se pelo vento, alguns quase exclusivamente por contacto com animais voadores. Podem por isso frequentemente ser transportados por grandes distâncias.
Os grãos de pólen são estruturas microscópicas que na sua superfície têm uma camada de esporopolenina, uma substância muito resistente. No entanto, o pólen, se não for absorvido numa semente, no solo apodrece e decompõe-se.
O pólen que cai sobre a superfície de um lago irá lentamente caír para o fundo e lá ser coberto por sedimentos. Nesse caso, no ambiente sem oxigénio dos sedimentos compactados, os grãos de pólen podem ficar conservados, sem decomposição, durante milhares de anos.
Falamos dos ‘dados científicos que evidenciam o passado da vegetação’, das ‘análises polínicas’ e da ‘floresta que existiu’.
O passado da vegetação através do pólen.
Explicamos, nesta página, em termos acessíveis, como se consegue descobrir o passado da vegetação da Serra da Estrela, o que é o ‘pólen’ e a razão da sua importância para este tipo de estudo.
Põe-se aqui a questão 'das idades': A existência de sedimentos não revela, ‘por si só' a idade desses sedimentos. Para isso utiliza-se a datação radio-carbónica. Baseia-se no facto de um dos três isótopos existentes de carbono, em vez dos normais 6 protões e 6 neutrões, no seu núcleo tem 6 protões e 8 neutrões. O carbono-14 tem uma meia-vida de 5730 anos (meia-vida = o tempo que demora a decadência de metade de uma substância radioactiva para o isótopo estável, carbono-12, neste caso). O carbono-14 existe naturalmente numa pequeníssima proporção no CO² atmosférico, que é assimilado pelas plantas na fotossíntese e ingerido pelos animais. Sabendo-se a proporção inicial de carbono-14 num tecido orgânico, pode-se medir o grau de radioactividade do material, e saber quantos anos passaram desde a sua morte.
Os dados do carbono-14 podem ser suplementados com outros métodos de datação, como p.ex. a contagem dos anéis de crescimento das árvores que revelam fases de crescimento bom e de crescimento lento, até em árvores já cortadas há muito. Também a contagem das camadas de neve transformada em gelo, nas calotes da Groenlândia e na Antárctida, e a medição de alguns isótopos radioactivos, e não só, nos gases atmosféricos, presos no gelo, desde que a neve caiu, podem revelar muito sobre as oscilações do clima.
Estas oscilações podem depois ser relacionadas com as oscilações na produção de pólen - a reacção das plantas é nítida e rápida!
Foi precisamente o que aconteceu nos lagos da Serra da Estrela. Desde que os glaciares recuaram e deixaram os vales desocupados do gelo, que as águas do degelo e da chuva preencheram as depresões da paisagem; isso aconteceu há ca. 12.000 anos na parte mais alta da Serra, muito antes a altitudes mais baixas. Desde que há plantas na envolvência dos lagos que os sedimentos mudaram de areia fina e branca para um detrito orgânico quase negro. Essa transição demorou mais tempo a acontecer nos lagos maiores. Assim, há evidências de árvores (vidoeiros) dispersos no fundo do Vale da Candeeira a partir de há 15.000 anos atrás (quando o topo da Serra ainda estaria coberto pelo resto do manto de gelo...)
O sedimentos de vários (nove) lagos da Serra da Estrela foram prospeccionados.
Fizeram-se furos nos sedimentos, as camadas separadas e os pólens em cada camada preparada em laboratório para se contar, ao microscópio, os pólens todos em cada camada. Algumas camadas, principalmente as que contêm restos de plantas (folhas, agulhas ou sementes) são enviadas para outros laboratórias, para medição do carbono-14. A densidade de amostragem resultou em contagens de pólens com intervalos tão curtos como de ~ 40 anos (uma amostra de 0,5 cm a cada 5 cm).
Em cada camada tem-se uma indicação da sua idade, e em cada amostra tem-se, com a contagem dos pólens, uma imagem, uma representação tão exacta, que quase parece uma 'fotografia' da comunidade vegetal nesse sítio, há x-anos atrás.
A análise aos pólens nos quatro pares de turfeiras da Serra da Estrela, dão-nos a imagem da evolução da Serra, nos últimos milhares de anos.
Investigadores de topo (Laboratório de Palinologia e Paleobotânica da Universidade de Utrecht, Holanda) seleccionaram os melhores locais para prospeccionar os sedimentos.
no Vale da Candeeira (a 1410m e 1535m de altitude),
próximo da Lagoa Comprida (1640m),
no Covão Boieiro (Vale de Loriga) (1725m e 1770m),
nas ‘Charcas da Clareza’ (entre o Cov. Boieiro e o V. Candeeira) (1835m e 1855m).
Em cada um destes quatro locais seleccionaram-se dois sítios, onde se retiraram amostras da turfa. A análise dessas amostras permitem descrever a vegetação em vários pontos da Serra, ao longo do tempo. Pelas interacções espaciais da vegetação podemos deduzir e interpolar a dinâmica vegetal da Serra, desde o desaparecimento dos glaciares, depois da Última Época do Gelo.
O recuo dos glaciares começou a partir do momento de avanço máximo, que na Serra da Estrela terá ocorrido talvez há ca. de 60.000 anos. Na última fase de avanço o gelo terá preenchido por completo as secções superiores dos vales da Serra, de modo que os locais onde se localizam as turfeiras terão sido todos ‘limpos’ pelas línguas de gelo, nessa altura, há ca. 20.000 anos...
Uma secção de um núcleo de perfuração de uma turfeira.
Imagens retiradas da página ‘shelteringmemory - pursuing-the-polen’
A fusão do gelo não foi simultânea, terá tido espessuras e regimes térmicos diferentes, de vale para vale. Os pontos de amostragem (lagos/turfeiras) estão a altitudes diferentes, e os vales descobriram do gelo primeiro, enquanto o planalto central terá mantido cobertura de gelo por mais tempo.
É assim que se sabe exactamente como foi a vegetação em vários locais da Serra, ao longo do últimos perto de quinze mil anos! Como a dispersão dos pólens varia de espécie para espécie, tanto das plantas maiores (carvalhos e freixos, p.ex.) como nas mais pequenas (narcisos, gramíneas, p.ex.), a nossa 'fotografia' alcança alguma distânia do lago ou turfeira amostrada e consegue-se deduzir interacções entre os locais e interpolar a vegatação numa área mais vasta.
E desta forma sabemos como a Serra foi coberta por floresta, do fundo dos vales quase até o topo, e sabemos quando essa floresta foi dizimada outra vez...
Ao lado, o diagrama polínico simplificado da ‘Charca da Candeeira’, para os últimos 10.500 anos.
Extraído da publicação científica
v.d. Knaap, W., v. Leeuwen, J. (1995): Holocene vegetation succession and degradation as responses to climatic change and human activity in the Serra de Estrela, Portugal. Rev. of Paleobotany and Palynology, 153-211. Elsevier.
Na vertical (e na margem esquerda) estão representadas as idades e o número da amostra de pólen correspondente.
Os gráficos na parte central da figura mostram a quantidade de cada tipo de pólen, em cada ‘lâmina’, ou camada de amostragem. A sequência de lâminas constroem a evolução da concentração de pólens.
As curvas designam portanto a evolução das concentrações de cada espécie em intervalos aproximadamente constantes (sabem-se os valores exactos, varia entre 32 anos e 78 anos, conforme a velocidade de sedimentação) ao longo do tempo, 10.500 anos…
A curva é traçada a preto (opaca) e tem uma ampliação a 5 vezes, traçado a cinzento, para melhor legibilidade das curvas quando as quantidades de pólen são muito pequenas.
Da esquerda para a direita temos as seguintes espécies representadas:
Pinheiro
Carvalho
Sanguinho
Teixo
Amieiro
Aveleira
Castanheiro
Oliveira
Estas são as principais espécies arbóreas.
O diagrama passa para os arbustos e as herbáceas, de onde aqui convém apenas referir a curva das urzes (designada no diagrama por ‘Ericaceae total’ - depois das curvas dos pólens arbóreos, as urzes é a primeira curva com valores mais elevados e que produz uma curva mais larga, e cujo perfil é uma evolução inversa da segunda curva, do carvalho, mais à esquerda ( ≈ quando a floresta de carvalho desaparece, é substituida por matagal de urzes) .
Mais à direita aparecem dois grupos de ervas (gramíneas e ciperáceas), o salgueiro (Salix) e o vidoeiro (Betula).
A interpretação da evolução das curvas dos pólens é feita da seguinte forma:
Com o final da Última Idade do Gelo, as espécies pioneiras, que começam a crescer nos musgos e na areia que se junta nas pequenas covas da rocha nua é o salgueiro, nos sítios mais húmidos e o pinheiro e o vidoeiro nos locais mais secos.
Passados algumas centenas de anos, com a continuação da melhoria das condições ambientais, com um clima mais quente e húmido que o frio glaciário, chega o carvalho e o sanguinho que estabelecem a floresta. Com estas espécies chegam também as outras espécies de árvores, tais como a aveleira, o teixo, o amieiro nos locais mais húmidos; a oliveira aparece nos perfis polínicos, mas cresce a mais baixa altitude.
Este intervalo entre os 9.500 e os 5.500 anos antes do presente, é caracterizado por um primeiro período mais quente e seco (o ‘Óptimo climático do Holocénico’, um período com temperaturas um pouco mais elevadas do que na actualidade, resultado do ‘efeito mola’ ou ‘efeito ió-ió’ pelo período muito mais prolongado de frio que houve antes, o clima tendeu temporariamente para um aquecimento ‘excessivo’). Foi este o período referido aqui como o período xerotérmico (‘xero’: termo grego que designa algo seco).
Grande predominância do carvalho sobre as outras espécies da floresta. Esta dominância nota-se muito bem na Candeeira, mas não nos espectros polínicos a maiores altitudes que se extraíram na Serra.
A maior altitude os perfis polínicos acima dos 1500 metros são muito semelhantes ao perfil da Candeeira entre os 8.000 e os 6.000 anos atrás. Julga-se que a frescura e humidade a maior altitude terá mantido o equilíbrio entre o carvalho e as outras espécies florestais.
Há cerca de 5.500 anos os humanos alteram a imagem. Já cá existiam antes, muito antes até, mas só com as técnicas da agricultura e com o domínio da metalurgia é que o Homem começa a alterar o meio e a destruír as florestas.
A alteração da composição dos pólens a ca. 5.500 anos atrás é o reflexo das actividade de ‘limpeza’ da floresta, com pastagem de gado; nota-se o aparecimento em maiores quantidade das gramíneas, no pasto, das urzes que colonizam as clareiras da floresta e o seu empobrecimento (desaparecimento de algumas árvores, aqui exemplificado pelo teixo, e também o azevinho, não incluído no gráfico).
Aos 3.200 anos atrás há um novo decrescimo na quantidade de pólens de árvores: Em vez de abrir clareiras começámos a abater floresta, para lenha de aquecimento, construção de casas e comida para gado. Sem desaparecer por completo, diminui muito a densidade e a diversidade da floresta, aparece o castanheiro, trazido pelos romanos; o lago desaparece, e com ele as espécies aquáticas (evidenciado pelo salgueiro). As urzes e giestas aumentam muito a sua presença, ainda nos solos florestais, espessos e cheios de nutrientes.
A última fase do Vale da Candeeira que se identifica através da leitura do espectro dos pólens começa há cerca de 900 anos atrás, com a destruição do resto da floresta de carvalhos, desaparecem todas as espécies árvores (à excepção do pinheiro, que é plantado indiscriminadamente por todo lado), aparece a curva dos cereais (no diagrama, logo à esquerda do vidoeiro (Betula) à direita do centro do diagrama).
Com o desaparecimento completo das árvores, os solos acabam por desaparecer das encostas, diminuem assim os pólens das urzes, por desaparecerem onde ficou a rocha nua, desaparecem os cereais, na parte de cima do diagrama, com o abandono do cultivo do vale. Apenas ficam os pólens do pinheiro, e de algumas ervas que se tornaram predominantes, na ausência de coberto arbóreo ou arbustivo.
Foi a destruição da floresta e dos solos que a floresta tinha deixado, ao ponto de só ficarem as ervas…
Uma nota sobre nomenclatura de idades:
No intervalo temporal em que as investigações sobre a vegetação da Serra da Estrela se desenvolvem, a datação é feita com o método do Carbono-14, e as idades indicadas nas publicações científicas são em ‘anos de carbono-14’.
As indicações relativas ao eventos do final da Época do Gelo (Würm, Dryas etc.) são datadas com base nas prospecções de gelo continental (Groenlândia e Antárctida). Os anos são em anos de calendário (ou em ciclos de Inverno-Verão).
A dendrocronologia permite aferir a idade das árvores pela contagem dos anéis de crescimento anual com a idade radiocarbónica dessa mesma matéria orgânica. O princípio da dendrocronologia está resumidamente explicado na figura abaixo:
Imagem: canal YouTube ‘Professor Dave explains’
De acordo com a publicação abaixo citada, existe uma série contínua dendrocronológica que recua 13.910 anos no tempo.
No sentido de se consensualizar e uniformizar os resultados obtidos com os diferentes métodos de datação construiu-se uma curva de calibragem das idades em anos de carbono-14. É um grupo de trabalho internacional com investigadores e instituições da América, Ásia, Europa e Oceânia que é responsável pelo aperfeiçoamento e publicação dos dados da calibragem, denominado IntCal Working Group.
A versão mais recente é a IntCal20.
Paula J. Reimer et al. (2020): The IntCal20 Northern Hemisphere Radiocarbon Age Calibration Curve (0–55 cal kBP). Radiocarbon, 62 (4), 725-757. Cambridge University Press. doi:10.1017/RDC.2020.41
Nas páginas deste projecto as datas estão, sempre que possível, indicadas em idades calibradas, com a notação convencional ‘anos BP’. Para idades mais antigas, que não sejam baseadas em medições radiocarbónicas, usa-se simplesmente ‘anos’, ‘anos BP’ ou ‘ka BP’ (milhares de anos). Quando idades vêm publicadas em anos radiocarbónicos / anos 14-C, faz-se a conversão da idade, de acordo com a curva de calibragem na publicação acima referida.