Projecto Candeeira Verde

Qual o Resultado?

Nos finais do século XIX plantou-se, na Serra da Estrela, um pouco de mata de folhosas.

Na altura já se tomou consciência de que havia perda de solos e que deviam ser fixados com a plantação de árvores.

Essas manchas de floresta já se expandiram de forma espontânea. É a forma da Natureza ‘reflorestar’, quando o equilíbrio natural dita que ‘deve haver floresta’, num determinado local: as sementes das árvores crescem mais, à volta da floresta, do que as sementes dos arbustos e das ervas crescem para dentro da floresta - a floresta expande-se. É uma prova de que 'o estado natural’, da Natureza aqui na Estrela, seria a floresta…

Desde que as árvores plantadas em finais do século XIX ficaram ‘adultas’ e começaram a deitar fruto, a floresta já se alargou em cerca de um quilómetro. Nada mau, para cem anos de expansão espontânea de floresta.

Os incêndios florestais são uma realidade incontornável. No nosso clima quente e seco fazem parte natural da renovação da Natureza. As espécies florestais resistem, melhor ou pior à propagação do fogo e às consequências do mesmo.

Existe um estudo sobre os fogos pré-históricos (naturais), na Serra da Estrela:

Connor, S.E., Araújo, J., v.d.Knaap, W., v.Leeuwen, J., (2012): A long-term perspective on biomass burning in the Serra da Estrela, Portugal. Quat. Science Rev. 55, 114-124. Elsevier.

Resulta deste estudo que o fogo sempre esteve presente na floresta da Estrela, mas que só a partir de há ca. 3200 anos atrás se tornou o principal agente gestor da floresta.

No incêndio de Agosto de 2022, o fogo progrediu em média 180 a 210 metros (obs. pess.) no contacto da resinosa para as folhosas. Significa isto que, em cada incêndio o fogo consome os primeiros ~200 metros de folhosas, antes de ser abafado pela humidade das folhas e da manta-morta no solo.

Se houver um incêndio a cada 20 anos, em média, o consumo de floresta folhosa pelo fogo é aproximadamente igual à capacidade de expansão da floresta, conforme vimos mais acima.

Acontece que, nos últimos 20 anos, já houve 5 grandes incêndios na Serra da Estrela…

A regeneração espontânea é impossível, a este ritmo de incêndios!

Sem árvores não há fixação de carbono, não se consegue manter um ecossistema equilibrado, não há a beleza possível do verde.

Antes de termos destruído a comunidade vegetal natural com machados, com gado e com incêndios, existiu uma densa floresta de carvalhos por toda a Serra da Estrela - por toda a Península Ibérica, e por toda a Europa, provavelmente, mas isso ‘é outra história’…

Para além da floresta de carvalhos ser a floresta natural, que existiria, se a não tivéssemos destruído (a análise dos pólens ao passado é a prova irrefutável disso), a floresta de carvalhos é também uma excelente maneira de fixar carbono, de manter um ecossistema florestal complexo, com plantas e animais e possibilita usufruír desse mesmo ecossistema de forma visualmente muito apelativa!

Contemplemos o seguinte exemplo: o sobreiro (Quercus suber) é um carvalho; as matas de sobreiros - designadas por ‘montados’ - são um repositório de carbono enorme e são áreas bastante produtivas, mesmo excluíndo das contas a cortiça; são visualmente agradáveis e não são repetidamente fustigadas pelo fogo (principalmente por não haver lá resinosas à mistura…). O montado não é uma ‘floresta’, muito menos uma ‘floresta natural’; será de designar por uma exploração silvo-pastoril. Para ser considerado uma floresta terá de ter uma maior complexidade de espécies e de tamanhos/idades das árvores.

É um ecossistema muito adulterado pelo Homem, mantido por interesses económicos (cortiça, porco preto, caça…), mas que mantém uma elevada biodiversidade, principalmente na avifauna.

A recuperação do ecossistema da floresta de montanha na Serra da Estrela, é uma devolução para a Natureza de um espaço que já foi abandonado; o Vale da Candeeira já não é utilizado para produção agrícola, não é habitação de ninguém, apenas alguns caminhantes e um pequeno rebanho de cabras lá passa de tempos em tempos. Ao contrário dos sítios onde ainda existe a maior parte das espécies arbóreas a ‘devolver’/utilizar na reflorestação - são quase todos próximos da ‘civilização’, sem possibilidade de poderem ser integrados num ambiente natural ou de recuperação espontânea.

Candeeira - droneshot


O Projecto Candeeira Verde propõe ‘apenas’ juntar as árvores da floresta de montanha originária da Serra da Estrela num mesmo local, para aí crescerem e em conjunto refazerem a floresta natural da Serra como ecossistema resiliente e como núcleo difusor para o resto da Serra.

Na Serra da Estrela o problema mais grave são os incêndios que ameaçam as comunidades vegetais e promovem a perda acelerada de solo das encostas declivosas. A morfologia escarpada de grande parte da cumeada do Vale da Candeeira confere-lhe um isolamento parcial perante a entrada de incêndios. O vale foi abandonado quanto às actividades económicas (cereais e pastorícia) e a ausência de qualquer acesso rodoviário ou habitação atribui-lhe um isolamento vantajoso.

Com os avanços científicos dos últimos séculos e os avanços tecnológicos subsequentes, está-se a iniciar de forma conturbada uma época de expansão económica, tecnológica e social em que a tendência será a sofisticação dos sistemas produtivos e energéticos que levará à aparente irreversibilidade do abandono económico das áreas com menor produtividade. A transição demográfica já está regionalmente na fase da contracção demográfica e nas próximas décadas essa situação alastrar-se-á para o resto do Mundo. Teremos fé que a prosperidade faça ultrapassar os conflitos.

Consideramos que existe uma responsabilidade colectiva na devolução a um estado ecologicamente funcional dos espaços explorados nas actividades humanas. Com o referido abandono económico de cada vez mais áreas com menor produtividade, as acções de rewilding, regeneração ecológica e estruturação ecológica do abandono rural, devem ser incentivadas e os espaços regulamentados.

As acções de reflorestação, integradas ou não em projectos de regeneração ou estruturação ecológica, tanto na Serra da Estrela, como em outros locais e no estrangeiro, muitas vezes falham pela falta de acompanhamento às plantações devido principalmente à falta de envolvimento e iniciativa governamental nestas acções.

A plantação de árvores num vale de montanha sem uma única árvore de grande porte tem de ser justificado.

Os pólens das plantas espalham-se no ar. Quando caem sobre lagos ou turfeiras, os pólens descem para o fundo onde ficam depositados e no ambiente anaeróbico ficam conservados. A libertação dos pólens é permanente tal como a sua deposição. Ano após ano após ano. Nas turfeiras e lagos pode-se extraír a sequência dos pólens depositados ao longo do tempo. Na Serra da Estrela isso deu origem a um conjunto de perfurações em 4 pares de turfeiras ou lagoas que foram analizadas em laboratórios. Sabe-se assim qual a composição da vegetação através das quantidades de pólens de cada espécie de planta. Camada sobre camada pôde-se ‘recuar no tempo’ e descobrir a vegetação da Serra da Estrela nos últimos 14 mil anos!

O conjunto de espécies arbóreas que comprovadamente já co-existiu à volta das quatro turfeiras da Serra, antes do Homem ‘entrar em cena’, está descrito em grande pormenor temporal, tal como as respostas às variações do clima entre os quatro locais amostrados. Deduz-se, que esse ecossistema florestal terá existido em todos os vales e planaltos da Serra.

O Vale da Candeeira é um vale glaciário no sector mais central da Serra da Estrela, cujo fundo não passa abaixo de 1400 metros de altitude - está por isso integralmente dentro do ambiente ‘oromediterrânico’. Entre cumeadas, o vale tem aproximadamente 4 km de comprimento por 2 km de largura. O carvalho negral foi a árvore dominante da floresta de montanha, desde que o clima se estabilizou, após os períodos de grande variabilidade climática no final da última Idade do Gelo, que terminaram há 11.700 anos.

Será a planta central na reflorestação.

As árvores são os seres vivos com maior longevidade e pela sua dimensão são a base de qualquer ecossistema florestal. Plantemos as árvores, que as ervas e as flores chegarão.

Na introdução das espécies arbóreas no ecossistema do vale tenta-se reproduzir a composição de espécies e a sua abundância relativa. A recriação do ecossistema lacustre com espécies ripícolas, igualmente evidenciado nos perfis polínicos, será feita recorrendo a técnicas comprovadas de represas de água imitações das represas de castores. Nas encostas a plantação será feita com substrato real de florestas próximas em covas cobertas com redes de retenção do substrato e alargamento progressivo de clareiras e eliminação localmente completa das urzes e giestas dominadoras. Tenta-se assim promover uma nutrição eficaz nos primeiros anos de vida das árvores.

Temos um vale magnífico e esquecido no meio da Serra da Estrela.

Temos o conhecimento sobre como já foi e ainda é possível devolver-lhe a vida e o esplendor do passado.

Grande que chegue para se manter, estável;

pequeno que chegue para ser exequível.