Reflorestação - palavra composta de re- outra veze -florestaçãoplantação ou criação de uma floresta’.

É o acto de criar uma floresta, onde já existiu e deixou de existir…

O motivo que leva ao desaparecimento de áreas florestais é praticamente sempre a intervenção humana, principalmente excesso de pastoreio, corte e queima de florestas. Cabe-nos, por isso, a nós, enquanto seres conscientes e que se dizem ‘racionais’, recriar as florestas que destruímos e que continuamos a destruír.

Como uma floresta ≠ conjunto de árvores

e

Como uma floresta não se regenera espontâneamente, de onde ela desapareceu

a ‘reflorestação’ é necessariamente um acto consciente e organizado. Uma floresta é um ecossistema composto de fungos, plantas e animais. Os fungos são importantes para o bom desenvolvimento das plantas, que, por sua vez, são essenciais para a sobrevivência dos animais. A monocultura de árvores não é uma floresta, um pomar também não é e um parque também não. Uma floresta é o sistema interligado de seres vivos, onde um dos elementos principais são as árvores. Várias espécies de árvores, de vários tamanhos, com frutificação em épocas diferentes e que dão abrigo e alimento a vários animais diferentes (desde abelhas a pardais e a veados) e até a outras plantas.

O termo ‘reflorestar’ tem sido utilizado como sinónimo de ‘arborizar’ - e até eu me assumo culpado desse mau uso. ‘Arborizar’, no fundo é o acto de plantar árvores, se bem feito pode ser o primeiro passo para a criação de uma floresta. Como referido no parágrafo anterior, a ‘floresta’ é um ecossistema tão complexo que ultrapassa, em muito, o simples plantar de árvores.

A arborização, até na Serra da Estrela, tem sido quase sempre em monocultura, de pouca extensão e em locais de extrema dificuldade de crescimento para as árvores plantadas. O intuito tem sido a prevenção da erosão, normalmente após incêndios; em outros locais normalmente a motivação é económica. Não há a preocupação de acautelar a criação da diversivade ecológica da floresta, nem nas plantações que se têm feito em áreas naturais ou protegidas, e muito menos nas plantações de exploração silvícola.

A região mediterrânica é particularmente sensível.

Sendo considerada ‘o berço da civilização’ é provavelmente a região do planeta que há mais tempo sofre com os caprichos humanos de destruição ambiental.

Na Europa e no mundo mediterrânico em particular, a humanidade iniciou as suas actividades destrutivas do ambiente nos primórdios da humanidade: domesticámos os animais que podiam ser-nos úteis (vacas, cavalos e cabras, p.ex.), caçámos, e exterminámos, os que não se deixávam domesticar (leões, hienas, rinocerontes, elefantes/mamutes, para nomear alguns exemplos de animais que outrora existiram à volta do Mar Mediterrâneo).

O ambiente nesta região é muito sensível, a existência de Verões quentes e secos e a proximidade de um imenso deserto a Sul, cria condições ecológicas particulares e uma sensibilidade extrema ao fogo: as florestas ardidas recuperam com dificuldade e fácimente se perdem os ecossistemas de forma definitiva.

Há muitos anos que o fogo é a principal arma contra as árvores e contra a floresta. Juntamente com o machado, o fogo sempre foi o destruidor das florestas, e continua a sê-lo. Desde as florestas equatoriais às coníferas das zonas temperadas, a existência de uma época seca, por mais curta que seja, coloca à mercê do fogo a transformação da madeira em cinzas e dióxido de carbono…

Desde muito tenra idade que tenho um apego especial e intenso por altitudes e montanhas.

Sendo a Serra da Estrela a maior montanha de Portugal, é com naturalidade que escolhi esta área para desenvolver esta actividade de recuperação ambiental.

Há mais de 5000 anos que os humanos andam a destruír a floresta na Serra da Estrela.

As tentativas de reflorestação são normalmente ineficazes, na medida que não restabelecem um ecossistema florestal à Serra.

Os motivos são vários, nas páginas seguintes iremos apresentar os mais significativos para a ausência da floresta e as medidas a tomar para uma real reflorestação na Estrela.

Como referido, os incêndios como meio de desflorestação são tradição humana antiga. Na Serra da Estrela este hábito está claramente visível nas paisagens.

A acção de reflorestação sistemática mais antiga da Serra da Estrela foi executada pelos Serviços Florestais logo, desde a sua criação em 1886, no vale da Ribeira de Leandres (Poço do Inferno), na encosta entre Pandil e a Capela de São Lourenço e na encosta a poente da vila, em direcção a Penhas Douradas. Na época, a pastorícia estava a causar problemas de excesso de erosão e, dada a proximidade da Vila de Manteigas, iniciou-se a reflorestação de forma maciça.

Destas plantações, apenas as espécies pirófugas (= resistentes ao fogo) subsistem até a actualidade e os seus topónimos são evidência das plantações de carvalho negral (‘carvalheira’), castanheiro (‘souto do concelho’) e faia (‘faias de São Lourenço’). São manchas em monocultura, ocasionalmente intercaladas com Abeto do Pacífico (Pseudotsuga menziesii).

Não voltou a haver reflorestação com folhosas na Serra da Estrela…

Para uma melhor distinção entre resinosas e folhosas, e os tipos de folhas, ver aqui.

Posteriormente a campanha de plantação de pinheiros varreu o país. Vastas áreas do Norte e principalmente do Centro foram plantadas com pinheiro bravo (Pinus pinaster) nas décadas de 1940 e 1950. No início da década de 1980 havia ca. 1.300.000 ha cobertos por pinheiro bravo!

O segundo erro na silvicultura portuguesa foi a plantação comercial de eucalipto: entre 1980 e 1995 a área plantada com esta espécie aumentou de ca. 200.000 ha para 700 000 ha!

Actualmente, as três espécies com maior área plantada são do eucalipto, ca. 900.000 ha, sobreiro ~700.000 ha e pinheiro bravo ~700.000 ha.

As plantações em larga escala de pinheiro bravo e de eucalipto não trouxeram qualquer riqueza ecológica para as áreas plantadas.

São elementos de fixação de carbono, será porventura a única vantagem ambiental destas monoculturas…

Pinheiro ardido em 10-Ago-2022.

Diâmetro ~120 cm.

Inserção: anos de crescimento.

Qualquer destas duas espécies é extremamente combustível; impossibilita o combate ao incêndio florestal e autoregenera-se após o fogo (uma por semente, a outra por rebento da raíz). São dois ‘barris de pólvora’ que se reabastecem contínuamente, mesmo após queimar, com a conivência das autoridades governamentais e florestais e pelo interesse das multinacionais da pasta de papel / celulose.

Por o eucalipto ser uma espécie exótica (= não pertence à flora originária europeia) e por a sua expansão comercial ter ocorrido após o estabelecimento da área protegida do Parque Natural da Serra da Estrela, em 1976, esta espécie não se expandiu na Estrela.

Já no caso do pinheiro, a sua monocultura foi dominante, na Serra, embora sucessivos incêndios lhe tenham limitado a área de implantação.

Após alguns incêndios mais recentes, já foram encetados esforços no sentido de arborizar, normalmente com carvalhos, mais esporadicamente com pinheiro silvestre, faia e vidoeiro.

No entanto, apenas duas espécies arbóreas crescem de forma visível nas áreas ardidas,

  • a tramazeira (Sorbus aucuparia)

e

  • o vidoeiro (Betula alba)

no caso da tramazeira, de forma espontânea, no caso do vidoeiro, resultado de dispersão espontânea e coordenada de sementes.

Isto é um grave empobrecimento ecológico !

Na ausência de vegetação arbórea, domina em absoluto o estrato arbustivo:

  • a giesta, nos solos orgânicos, mais ricos e espessos

  • a urze, nos solos minerais, mais pobres e delgados.

A cobertura do solo é geralmente total e chega aos 6 metros, no caso da giesta. No caso da urze, a cobertura do solo é geralmente superior a 80%, e a altura das plantas não excede os 2 metros, frequentemente até 1 metro.

Tanto a giesta como a urze são de crescimento lento, sem folhas. Deste modo apenas as inflorescências e os pequenos frutos são devolvidos ao solo. O porte arbustivo acentua-se pela ramificação profusa junto ao solo, principalmente no caso da urze, cujos ramos frequentemente crescem sobretudo na horizontal por entre os musgos e a caruma.

Por Eah - Obra do próprio, CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=16305511

As tramazeiras no Outono ficam carregadas de bagas cor-de-laranja, um alimento importante para alguns mamíferos e muitas aves.

A plantação em campanhas anteriores tem sido feita maioritariamente com carvalho negral (Quercus pyrenaica).

É uma espécie de crescimento lento.

Nas condições difíceis de crescimento, é possível haver plantas vivas, mas não visíveis ao reconhecimento visual a média-distância dos locais (com altura inferior ao coberto arbustivo).

As plantações têm sido feitas em locais muito desfavoráveis ao crescimento de árvores:

  1. Ausência de cobertura protectora à radiação solar e consequente exposição a extremos térmicos permanentes (calor diurno e frio nocturno).

  2. Frequentemente as plantações têm-se feito em encostas viradas a sul, logo com mais exposição à radiação solar, mais calor e menos humidade.

  3. Declive elevado, entre 20 e 30°, por vezes mais.

  • Escassa retenção de água e facilidade de escorrência torrencial (a água não se mantém nas bolsas das raízes e tende a escoar com excesso de força erosiva)

  • Ausência total de solo orgânico (manta-morta, húmus ou detrítos vegetais que sirvam de substrato nutriente).

As plantações pelos Serviços Florestais referidas anteriormente foram executadas de forma organizada, e por um Serviço em representação directa do Governo e da Coroa.

Foi acompanhado pela construção de várias edificações (casas dos Guardas Florestais) e por toda a logística inerente ao estabelecimento do ‘perímetro florestal de Manteigas’ e permanência de funcionários.

Actualmente o trabalho de plantação é executado por visitantes voluntariados, supervisionados por técnicos, também eles voluntários, o que implica o seu não-regresso e falta de acompanhamento às plantas nas primeiras épocas de crescimento.

Quando a plantação é feita em locais não ardidos, com vegetação arbustiva, esta tende a ser muito densa o que origina uma atrofia de crescimento por falta de nutrientes e luz solar às árvores plantadas, atrasando ainda mais o seu crescimento.

Haverá outros factores que contribuem para que as campanhas de plantação anteriores tenham sido infrutíferas.

Mas as razões assinaladas são, na nossa opinião as principais para este facto.

Enquanto não for resolvida a falta de nutrientes, a localização demasiado exposta e a falta de acompanhamento, as plantações estarão quase sempre condenadas.

Era necessário que houvesse um envolvimento de entidades públicas que assegurassem as infra-estruturas de apoio às plantações, com fornecimento de meios de transporte, substrato orgânico adubado, fornecimento de plantas e que assegurasse igualmente o acompanhamento posterior à plantação, com limpeza e rega.

O ideal era essa ‘entidade pública’ ser dotada de meios (financeiros, humanos e técnicos) para que não estivesse apenas ‘envolvida’ na plantação, mas para que fosse responsável e encabeçasse as acções de plantação…

  • não se ficava dependente de voluntários (temos todo o respeito pelos voluntários, cujo trabalho é louvável),

  • não se ficava dependente de interesses de empresas intervenientes, cujo objectivo será sempre o lucro e não o ambiente,

  • concentrava-se a responsabilidade de fazer,

  • concentrava-se a entrega e distribuição de subsídios atribuídos,

  • facilitava-se o acompanhamento aos gastos, aos trabalhos e às falhas.

Outros países flagelados por incêndios têm entidades responsáveis por estes trabalhos, que de forma isenta e coordenada organizam os trabalhos de repovoamento florestal.

Acreditamos que o balanço entre o consumo de tais entidades bem financiadas e as perdas da inoperatividade, acção tardia e inexistência de estruturas públicas seja a favor dos gastos preventivos…


As únicas áreas florestadas na latitude da Serra da Estrela, e que tenham valor florestal do ponto de vista ecológico (como habitat florestal) são

  • Mata da Lapa dos Dinheiros e de Penha da Águia - Loriga (Seia)

  • Mata da Margaraça (Arganil)

  • Perímetro florestal a Sueste de Manteigas, entre Lapa e Sarnadas

  • algumas manchas florestais fragmentadas próximo de Pêro Soares (Guarda)

  • algumas manchas florestais fragmentadas no extremo Sul da Serra do Caramulo (Floresta da Gândara / Oliveira de Frades)

A protecção destas florestas residuais é crítica para a manutenção da diversidade genética dos ecossistemas florestais da ‘zona centro’ de Portugal.

Existem outras áreas com povoamentos de carvalhos (no Vale de Bestança, Cinfães e em alguns afluentes do Rio Vouga, p. ex.), mas são de dimenções bastante reduzidas e sem integridade ecológica suficiente para constituirem ‘ecossistema de carvalhal’.

À excepção das referidas, as áreas montanhosas entre os Rios Mondego e Côa estão despidas de floresta ou em exploração silvícola mais ou menos intensiva, portanto com povoamentos de pinheiro ou eucalipto. As terras baixas, como há milénios, estão em exploração agrícola, com hortas, pomares, cearas, vinhas e povoamentos - aí não há espaço para florestas.

Há várias razões que explicam a aparente ausência completa de árvores (à excepção das pioneiras mencionadas), nos locais de acções de plantações:

Resulta da análise polínica que se efectuou em quatro turfeiras na Serra da Estrela, uma imagem bastante pormenorizada da vegetação na Serra. Como referido na página sobre estas análises, dão uma imagem pormenorizada, também, quanto ao desenvolvimento da vegetação, tanto no tempo como no espaço.

Sabemos por isso como se desenvolveu a vegetação na Serra, em resposta a pequenas (e a grandes, também) oscilações climáticas, consoante as várias altitudes, nos vales expostos a ocidente e a oriente e no Planalto Central.

Criámos uma imagem do Vale da Candeeira, num momento da sua longa história, há 7.800 anos atrás.

Essa imagem é uma descrição, com o pormenor possível, da vegetação e do ambiente neste vale, numa altura em que a interferência humana ainda não se fazia sentir; numa altura em que a densidade da floresta de carvalhos era mais elevada, pontualmente intervalada por outras espécies, mais notório na parte mais alta do vale.

O desenvolvimento da vegetação é uma situação dinâmica, viva, em constante mudança. Mesmo sem interferência humana, a Natureza está viva e o ciclo da vida está permanentemente a renová-la.

Nas análises aos pólens da Serra da Estrela encontramos vestígios da presença maciça de carvalhos. Acima de 1700 metros aparentemente perdem vitalidade e a partir dos 1800 metros de altitude a floresta começa a ser dominada por espécies mais resistentes ao frio, às geadas e ao vento. São os sanguinhos, as tramazeiras e as aveleiras que resistem um pouco mais que os carvalhos. Próximo dos 1800 metros e pouco acima dessa altitude, principalmente os vidoeiros resistem às condições agrestes.

A interpretação dos especialistas, dos dados extraídos dos sedimentos das turfeiras da Estrela, é que a floresta foi dominada por carvalho negral, mas confirmam a presença de carvalhos de folhagem perene (azinheira), foi sempre uma floresta ‘aberta’, arejada, com grande diversidade de vegetação por baixo dos carvalhos. Confirmam igualmente a presença do freixo e do amieiro, desde os primeiros tempos dos registos de pólens nos lagos/turfeiras, mas em quantidades bastante reduzidas, sugerindo a presença constante mas muito dispersa destas duas espécies.

O ‘sub-bosque’ é o conjunto de árvores de menor dimensão que as árvores dominantes (carvalho negral, na Serra da Estrela), que asseguram diversidade de habitat, com diferentes associações fúngicas no solo (micorrizas), diferentes nutrientes absorvidos e libertados nas folhas e diferentes nutrientes nos seus frutos. Esta diversidade é da maior importância para a diversidade e resiliência do ecossistema florestal.

Os carvalhos e a floresta, em geral, foram dizimados e actualmente oito carvalhos em todo o Vale da Candeeira (Nota: há alguns de dimensões submétrica (altura < 1 metro), mas não há ‘árvores’ de carvalho, no vale). Tal como a floresta desapareceu, assim desapareceu também o ‘sub-bosque’.

As árvores do sub-bosque, que constituem a referida diversidade da vegetação por baixo dos carvalhos, estão representadas exclusivamente pela tramazeira, na actualidade. Existem poucos exemplares muitos dispersos, na Candeeira. As outras espécies (aveleira, azereiro, azevinho, sanguinho e teixo) existem em vários locais da Serra, mas não existem no Vale da Candeeira. À excepção do azereiro (Prunus lusitanica, loureiro português) são espécies cujo pólen está identificado desde o início dos perfis polínicos e até nas turfeiras às altitudes mais elevadas. Os pólens do género Prunus (o género a que pertence o azereiro, a cerejeira e a amendoeira, p. ex.) apenas aparecem de forma mais esporádica nos perfis polínicos há 8900 anos e só depois do ‘óptimo climático do Holocénico’, há 4900 anos de forma mais consistente e (semi-)permanente.

A grande predominância do carvalho negral, principalmente nas fases de clima mais quente e seco (identificadas como ‘xerotérmicas’ pelos especialistas que analizaram os sedimentos da Serra), está perfeitamente reflectido na análise aos sedimentos antigos.

No nosso trabalho iremos sempre sobrevalorizar as espécies menos vulgares (caso do freixo, do amieiro, do sanguinho e do teixo) em detrimento das mais vulgares (caso do carvalho). Se a Natureza der a vantagem às mais vulgares, com mais predominância nos espectros do pólen, será ‘a Lei da Natureza’ a equilibrar-se. Mas não queremos que as plantas menos vulgares (conforme surgem nos depósitos antigos, das turfeiras) comecem a reconstrução de uma ‘nova’ floresta já em desvantagem - se o carvalho é a árvore dominante, a Natureza dar-lhe-á esse domínio novamente, com certeza.

Nas análises polínicas, o carvalho tem entre 50 e >80% dos pólens arbóreos, consoante as condições ambientais, com mais predominância nos períodos quentes e secos. Segundo a opinião dos especialistas que analisaram os pólens antigos, deve-se ao aumento da produção de pólen, por parte dos carvalhos, mais do que a um aumento do número de plantas. Os ciclos climáticos são demasiado curtos e intermitentes para carvalhos aparecerem e desaparecerem. A diminuição relativa de pólens de carvalho nos períodos menos quentes e ligeiramente mais húmidos (períodos ‘mesotérmicos’) deve-se à diminuição da produção de pólens dos carvalhos e, aí sim, ao aparecimento de diversas espécies adaptadas a condições menos quentes ou menos secas.

Prevê-se plantar 3500 carvalhos e 2500 outras espécies de árvores. Se acrescentarmos a esses números as árvores do sistema ripícola do fundo do vale chegaremos a um valor de ca. 3000 ‘outras espécies’, o que corresponde a 54% das árvores plantadas serão carvalhos, 46% serão outras espécies - no caso de plantarmos 500 árvores na zona húmida. Como este valor poderá sofrer variações (tal como a composição da matriz de plantas nas encostas também poderá ser ajustada em função das condições do solo, p.ex.), teremos uma proporção final de plantas próximo de 55% / 45%.

Sabemos que a proporção de plantas não equivale a idêntica proporção de pólens. O ciclo de vida das árvores do sub-bosque (à excepção do teixo) é habitualmente muito mais curto que o ciclo de vida das árvores dominantes (o freixo e especialmente o carvalho) e tenderá a aumentar o quantitativo de plantas mais rapidamente do que os carvalhos. Plantando a mistura possível de plantas, deixando representadas todas as espécies que existiram na floresta da Serra da Estrela, temos esperança que a própria Natureza encontre o equilíbrio entre o clima e a predominância de cada espécie.

Uma nota sobre a (não-)plantação de espécies exóticas.

O critério de incluír na matriz de plantação todas as espécies arbóreas que existiram naturalmente na Serra da Estrela nos últimos 9.000 anos, leva-nos a tomar a decisão de excluir algumas espécies ‘exóticas’ da nossa matriz, e a de incluir outras espécies, que existiram, mas naturalmente se extinguiram (desapareceram definitivamente dos perfis polínicos antes das interferências humanas no ecossistema da Serra, há aproximadamente 5.000 anos).

Seguindo este critério decidimos não plantar faia (Fagus sylvatica) - A Serra da Estrela está fora da área de distribuição natural da faia, embora tenha tido tendência para expandir a sua área natural de distribuição, as alterações climáticas mais recentes, com tendência para aquecimento globalizado, essa expansão está estagnada ou invertida. A faia é uma espécie de alta montanha (na região mediterrânica), existe plantada, desde há mais de um século, apenas, na Serra. Se as condições ambientais o premitirem, naturalmente se expandirá para o Vale da Candeeira.

Referência sobre a distribuição da faia, na Europa:

Houston Durrant, T., de Rigo, D., Caudullo, G., (2016): Fagus sylvatica and other beeches in Europe: distribution, habitat, usage and threats. In: San-Miguel-Ayanz, J., de Rigo, D., Caudullo, G., Houston-Durrant, T., Mauri, A. (Eds.), European Atlas of Forest Tree Species. Publ. Off. EU, Luxembourg, pp. e012b90+

Decidimos assim também não plantar nenhuma resinosa exótica (géneros Abies, Picea, Pseudotsuga ou Sequoia). Reconhecemos o seu potencial estético na paisagem florestal, mas a integridade botânica ‘falou mais alto’…

Ainda de acordo com o mesmo critério decidimos igualmente não plantar nenhum pinheiro no decorrer das actividades deste projecto. Os pólens do género Pinus depositados nas turfeiras da Serra, terão sido do pinheiro silvestre ou pinheiro-de-casca-rosa (Pinus sylvestris) no final da última Idade do Gelo e início do pós-glaciário.

Recordamos que os pinheiros, em geral, produzem grandes quantidades de pólen e que estes, pelas suas características físicas, se dispersam com facilidade pelo vento.

O número de pólens de pinheiro diminuiu em número desde a Idade do Gelo até o ‘óptimo climático do Holocénico’, altura em que o pinheiro silvestre terá desaparecido naturalmente da Serra. A partir desta altura, a presença de pólen do género Pinus é atribuida ao pinheiro bravo (Pinus pinaster), existente naturalmente nas terras baixas à volta da Serra; após um aumento pouco expressivo no final do ‘óptimo climático’ a quantidade de pólen de pinheiro diminuiu bastante há quase 6000 anos até que desapareceu por completo há 1150 anos. A expansão associada às plantações recentes de pinheiro bravo está reflectida nos registos das turfeiras da Serra, mas é um fenómeno de origem humana. A distribuição natural actual do pinheiro silvestre não chega à Serra da Estrela; ocorre espontaneamente na Serra do Gerês, e Sierra de Gredos em Espanha, na Estrela é plantado. Está bem representado em vários pontos da Serra, e sendo uma resinosa, o risco de introduzir um propagador de incêndios é muito superior a alguma vantagem de diversidade.

O castanheiro (Castanea sativa) está identificado na Estrela desde há 2250 anos. Foi trazida pelos romanos na sua conquista, e terá existido localmente na Serra da Estrela até a fase de desflorestação maciça há pouco menos de 1000 anos. Não deixa de ser uma espécie introduzida pelo Homem e como tal também não será plantada no Vale da Candeeira.

Por último, e como uma surpresa para nós, foi identificado em dois espectros polínicos distintos, em turfeiras na face ocidental da Serra (Lagoacho e Chafariz d’El Rei) a existência de pólens do género Cedrus. Aparece brevemente, nos primeiros tempos após o desaparecimento dos glaciares e volta a desaparecer naturalmente. Na análise polínica apenas está identificado por género, sem identificação da espécie; presumimos que seja Cedro do Atlas (Cedrus atlantica) e não de uma espécie endémica entretanto extinta. Como recentemente foi encontrado um cedro espontâneo no rebordo do planalto oriental da Serra da Estrela, foi retirado material deste exemplar para germinação incluída nas plantações deste projecto. Será plantado em vários locais do vale, independente o seu perfil ambiental actual, para verificar a sua preferência climática.

Temos uma encosta exposta a norte, menos declivosa e mais húmida.

Esta encosta tem uma área vasta, com praticamente um quilómetro de comprimento por 250 metros de altura com excelentes condições para a plantação de árvores.

Serão aqui plantadas as espécies próprias da floresta de montanha ‘mesotérmica’ (segundo a nomenclatura de Knaap e Leeuwen - op. cit.) dominada pelo carvalho negral, acompanhado pelo freixo, e com aveleiras, sanguinhos e tramazeiras no sub-bosque.

Há uma encosta exposta a sul, de declive mais acentuado e mais soalheira.

Esta encosta têm áreas de extensão mais reduzidas, mas ainda assim com várias centenas de metros, com boa aptidão de plantação e crescimento.

Aqui serão plantadas as espécies da floresta de montanha (segundo a referida nomenclatura) ‘xerotérmica’, igualmente dominada pelo carvalho negral, acompanhado pela azinheira, e teixos, azevinhos e azereiros no sub-bosque.

Temos o fundo do vale, plano, com nascentes e água permanente.

Com uma técnica sem uso de tecnologia ou meios mecanizados, vamos instalar represas de água a imitar o trabalho do castor, herbívoro roedor, extinto. Com as represas vamos suster as águas do Outono e Inverno para aqui plantar as espécies ripícolas da floresta de montanha ‘hidrotérmica’.


No projecto Candeeira Verde não estamos a plantar após um incêncio recente (o último incêndio na Vale da Candeeira foi em 2006 e não foi generalizado) - existe um coberto vegetal que pode fornecer abrigo dos elementos nas primeiras épocas de crescimento de árvores, pode servir de indicador sobre o estado nutricional do solo e numa fase posterior pode servir de base de nutrientes para uma floresta.

Vamos prevenir os incêndios neste vale, com algumas limpezas de mato e plantação de folhosas.

Não dependemos de qualquer subsídio, público ou privado.

Temos os conhecimentos científicos do assunto, os conhecimentos da área e do terreno e conhecimentos técnicos suficientes para a execução dos trabalhos.

Temos as condições ideais (estão aqui elencadas algumas) para fazer algo mais do que ‘só’ plantar árvores e deixá-las ao abandono e entregues à sua sorte e à mercê dos elementos. ‘Reflorestar’, no verdadeiro significado do termo - iniciar uma floresta.

Iniciar ‘a’ floresta que já cá existiu.

Já abandonámos o cultivo do vale e a nossa sociedade pelos motivos expostos aqui, não precisará das regiões montanhosas para o nosso sustento, apenas para a nossa diversão. Como referimos, explorámos a Natureza durante milénios, destruímos a Natureza durante séculos, e ainda o fazemos. Quando não mais precisamos das terras que ocupámos à Natureza, o simples abandono não pode ser uma solução!

Temos de repôr a Natureza que estragámos.